Umbanda, uma religião brasileira.
Umbanda, uma religião brasileira.
Jaqueline Aparecida de Souza Cruz
Introdução
A Umbanda é uma religião que possui uma infinidade de variantes fundamentais e rituais que dão abertura para muitas interpretações. Sendo assim, cada grupo praticante tem sua forma particular de interpretação. Atualmente encontramos várias religiões denominadas como Umbanda. Elas foram se mesclando e originando diversas correntes e/ou ramificações. Podemos encontrar tipos como Umbanda Omolokô, Umbanda de Preto-velho, Umbanda Branca, Umbanda de Caboclo, Umbanda Esotérica, entre outras. Cada uma com suas doutrinas, ritos, preceitos, cultura e características particulares dentro da prática de seus fundamentos.
Sendo assim, numa religião com diversas variações devem ser buscadas informações sobre suas mais variadas vertentes. Este artigo procura discutir a ideia de que cada tipo de Umbanda é diferente do outro problematizando a noção de universalidade pela busca de elementos similares nas diversas manifestações existentes trazendo o enfoque para o estudo da Umbanda Popular e Iniciática, ou Esotérica. Mais que uma religião, a Umbanda é um meio de vida e estudá-la faz parte do aprendizado e da evolução espiritual de todo médium e praticante umbandista.
As religiões afro-brasileiras
De acordo com o que entendemos como religião encontramos diversos tipos de crenças e filosofias sendo todas elas muito diferentes entre si. Mesmo assim é possível estabelecer uma característica comum a todas elas. Cada uma possui elementos próprios, mas ainda assim é possível estabelecer toda uma série de elementos comuns que podem proporcionar uma melhor compreensão do fenômeno religioso. Com o tempo elas vão passando por transformações: religiões mais antigas vão se confirmando, outras vão se renovando e se impondo. Todas procuram afirmar seu conteúdo tendo em vista a acirrada concorrência frente ao “mercado religioso”. No Brasil não poderia ser diferente. Nesse contexto de renovação religiosa, as religiões afro-brasileiras vão conquistando espaço e seguidores ao longo da história. Reginaldo Prandi afirma que
As religiões afro-brasileiras mais antigas foram formadas no século XIX, quando o catolicismo era a única religião tolerada no País e a fonte básica de legitimidade social. Para se viver no Brasil, mesmo sendo escravo, e principalmente depois, sendo negro livre, era indispensável antes de mais nada ser católico. Por isso, os negros que recriaram no Brasil as religiões africanas dos orixás, voduns e inquices se diziam católicos e se comportavam como tais. Além dos rituais de seus ancestrais, freqüentavam também os ritos católicos. Continuaram sendo e se dizendo católicos, mesmo com o advento da República, quando o catolicismo perdeu a condição de religião oficial. (PRANDI, 2003, p.1)
Desde seu começo, as religiões afro-brasileiras foram sincréticas. Assim, estabeleceram paralelismos em relação às divindades africanas e os santos católicos. Foi assim com o Candomblé da Bahia, o Xangô de Pernambuco, o Tambor-de-mina do Maranhão, o Batuque do Rio Grande do Sul e outras denominações relacionadas, segundo o IBGE, ao Candomblé. Juntamente com o Candomblé, outra religião afro-brasileira foi conquistando espaço: a Umbanda. Fundada no Rio de Janeiro no início do século XX, éuma religião originalmente brasileira que aproveita elementos das mais diversas religiões e culturas. Ainda segundo Reginaldo Prandi,
A umbanda é chamada de “a religião brasileira” por excelência, num sincretismo que reúne o catolicismo branco, a tradição dos orixás da vertente negra e símbolos e os espíritos de inspiração indígena, contemplando as três fontes básicas do Brasil mestiço. (PRANDI, 2003, p.5)
A Umbanda
A Umbanda é uma união de elementos africanos, indígenas, católicos e espíritas. Da África encontramos o culto aos orixás e aos antepassados. Dos índios o culto aos antepassados e aos elementos da natureza. Em relaçao ao catolicismo, temos o europeu juntamente com o cristianismo e seus santos. E do espiritismo os fundamentos, a crença na reencarnação e na lei do carma e a idéia de progresso espiritual. É uma religião que prega a existência pacífica e o respeito ao ser humano, à natureza e a Deus, respeitando todas as manifestações de fé, independentes da religião. Em decorrência de suas diversas raízes, a Umbanda tem um caráter pluralista que compreende a diversidade e valoriza a diferenças. Não há dogmas ou liturgia universalmente adotados entre os praticantes, os umbandistas, o que permite uma ampla liberdade de manifestação da crença e diversas formas válidas de culto.
As raízes da Umbanda são difusas. Existem diversas ramificações onde podemos encontrar influências indígenas (Umbanda de Caboclo), africanas (Umbandomblé, Umbanda traçada) e outras de cunho esotérico (Umbanda Esotérica, Umbanda Iniciática). Também encontramos a Umbanda Popular, onde temos um pouco de cada coisa e o sincretismo, a associação de santos católicos aos orixás, é muito freqüente. Não existe uma fonte única que reflita a origem da Umbanda. Cada vertente tem as suas origens e história. Porém, na década de 1970, aceitou-se que Zélio Fernandino de Moraes, que em 1908 incorporou pela primeira vez o Caboclo das Sete Encruzilhadas, teria sido o anunciador da Umbanda em determinados moldes, fazendo com que ela pudesse ser institucionalizada como religião (RIVAS NETO, 1991, p. 27).
Os fundamentos da Umbanda variam conforme a vertente que a pratique. Mas existem alguns conceitos que são comuns e encontrados em todas as formas de Umbanda. Acreditam na existência de um único Deus como fonte criadora universal, chamado de Olorum ou Zambi. Praticam o culto aos Orixás como manifestações divinas, e cada um representaria um elemento da natureza ou da própria personalidade humana, em suas necessidades e construções de vida e sobrevivência. A Umbanda e seus praticantes acreditam na imortalidade da alma e, dessa forma, utiliza o mediunismo como forma de contato entre o mundo físico e o espiritual. E é por meio da manifestação dos guias espirituais incorporados em seus médiuns, os cavalos, que é realizado o trabalho espiritual.
É fundamentada em três pilares que são sua base de sustentação: amor, fé e caridade. Sendo considerada milenar porque seus princípios são os mesmos desde o início da humanidade, também é considerada evolutiva devido à evolução e aos valores espirituais superiores que seus praticantes vão adquirindo (FREITAS; OLIVEIRA; SOARES, 1994, p.21).Para a prática de seus cultos o lugar escolhido é denominado como templo, terreiro ou centro, que é o local onde os umbandistas se encontram para realização do culto aos Orixás e dos seus guias, que na Umbanda se denominam giras.
O chefe do culto é o sacerdote ou sacerdotisa, também chamado de pai-de-santo ou mãe-de-santo (mesmo estes termos sendo aplicados no candomblé), costumam ser os médiuns mais experientes e com maior conhecimento e algumas vezes fundadores do terreiro. São eles que coordenam as giras e que incorporam o guia-chefe que comandará todo o trabalho. O culto nos terreiros é dividido em sessões de desenvolvimento, onde participam somente os médiuns, e de consulta, abertas à participação de toda a população.
São consideradas médiuns as pessoas com capacidade de se comunicar com entidades desencarnadasou espíritos por meio da incorporação, da vidência (ver), da audiência (ouvir) ou da psicografia (escrever movido pelos espíritos). O médium tem o compromisso de servir como um instrumento de guias ou entidades espirituais superiores. Para obter uma boa relação com as entidades, o médium deve se preparar por meio do estudo e desenvolver a sua mediunidade procurando a elevação moral e espiritual, a aprendizagem conceitual e prática da Umbanda, respeitar os guias e Orixás; ter assiduidade e compromisso com seu terreiro, ter caridade em seu coração, amor e fé em sua mente e espírito, e saber que a Umbanda é uma prática que deve ser vivenciada no dia-a-dia, e não apenas no terreiro.
A palavra Umbanda tem sua origem no vocábulo Aumbandan do alfabeto Adâmico e significa “o Conjunto das Leis Divinas”. O Aumbandan ou Conjunto das Leis Divinas é a proto-síntese cósmica e encerram em si os princípios geradores do Universo, que são a sabedoria e o amor divino. E é o Conjunto das Leis Divinas que faz a ligação entre o plano divino e o plano terreno (RIVAS NETO, 1989, p.119). Com o tempo, seus praticantes foram agregando metodologias, vocábulos e detalhes de práticas provindas de outras religiões. Hoje temos várias religiões com o nome "Umbanda" em que, seguindo as mesmas linhas doutrinárias, guardam raízes muito fortes das bases iniciais, e outras que absorveram características de religiões diferentes, mas que mantém a mesma essência.
A Umbanda de Caboclo sofre influência direta da cultura indígena brasileira e tem como foco principal os guias conhecidos como caboclos provenientes dos rituais de pajelança do índio brasileiro, enquanto que a Umbanda de Preto-velhos tem ligações diretas com a cultura africana, onde encontramos elementos sincréticos do culto aos Orixás. Já a Umbanda Omolokôtem sua origem na África e é um misto entre o culto dos Orixás e o trabalho direcionado dos guias e se origina das tribos Lunda-Quiocôs.Já na Umbanda Traçada, ou Umbandomblé, existe uma diferenciação entre os cultos praticados, ora da Umbanda, ora do Candomblé, sendo realizadas em dias e horários diferentes. Na contramão encontramos a Umbanda Branca ou de Mesaonde não há a presença de elementos africanos. Essa linha doutrinária se prende mais ao trabalho de guias como caboclos, preto-velhos e crianças e a utilização de livros espíritas como fonte doutrinária do tipo O Evangelho Segundo o Espiritismo de Allan Kardec.
Sob a denominação de Umbanda Popular, temos o tipo praticado antes mesmo de Zélio Fernandino de Moraes, também é conhecida como macumba, e praticada até os dias atuais. Nela encontramos um forte sincretismo dos santos católicos associados aos Orixás africanos e também uma grande variedade de trabalhos, divergindo de acordo com cada grupo. Dessa vertente podemos distinguir mais dois tipos: a tradicional e a esotérica. A Umbanda Tradicional é oriunda da inicialização feita pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas.
E por fim, temos a Umbanda Iniciáticaou Esotérica, também intitulada Aumbhandan e segue o “Conjunto das Leis Divinas, foi fundamentada pelo Mestre Rivas Neto, da Escola de Síntese conduzida por Yamunisiddha Arhapiagha, onde há a busca de uma convergência doutrinária, por meio de sete ritos, e o alcance do Ombhandhum, o Ponto de Convergência e Síntese.
Conclusão
A Umbanda é considerada como a religião do sincretismo porque une em um mesmo culto vários fragmentos de diversas práticas religiosas que se desenvolveu em um processo de etapas históricas e na apropriação e transformações de elementos culturais e religiosos. Resumidamente, podemos dizer que é a união de elementos africanos, indígenas, católicos e espíritas.
Da África encontramos o culto e a prática de ritos aos orixás provenientes das nações que forneceram escravos aos colonizadores europeus. Dos índios, o culto aos antepassados, aos elementos da natureza e ao que os escravos fugidios identificavam como sendo semelhante aos seus cultos em sua nação de origem. Do catolicismo, encontramos a assimilação do havia de correspondente entre os orixás africanos e os santos católicos e também a utilização da moral cristã. E do espiritismo, uma espécie de kardecismo mais popularizado, temos os fundamentos, a crença na reencarnação e na lei do carma e a idéia de progresso espiritual.
Podemos consider a umbanda como sendo uma religião que prega a existência pacífica e o respeito ao ser humano, à natureza e a Deus, respeitando todas as manifestações de fé, independentes da religião. Em decorrência de suas diversas raízes, a Umbanda tem um caráter pluralista que compreende a diversidade e valoriza a diferenças. Não há dogmas ou liturgia universalmente adotados entre os praticantes, os umbandistas, o que permite uma ampla liberdade de manifestação da crença e diversas formas válidas de culto.
Bibliografia
FREITAS, Brasão; OLIVEIRA, Willian C.; SOARES, Roger T. Cultura Umbandística. São Paulo: Ícone, 1994.
PIERUCCI, Antônio Flávio. A Magia. São Paulo: Publifolha, 2001.
PIERUCCI, Antônio Flávio; PRANDI, Reginaldo. A Realidade Social das Religiões no Brasil. São Paulo: HUCITEC, 1996.
PRANDI, Reginaldo. As religiões afro-brasileiras e seus seguidores. In: Civitas, Revista de Ciências Sociais, vol. 3, nº. 1, p. 15-34, Porto Alegre, PUC-RS, junho de 2003.
__________. Herdeiras do Axé. São Paulo: HUCITEC, 1996.
RIVAS NETO, F. Surgimento da Umbanda ou Aumbandan – A Proto-síntese Cósmica – A tradição da raça vermelha – Conhecimento uno – Proto-síntese relígio-científica – Os 4 pilares do conhecimento uno: a Religião, a Filosofia, a Ciência e as Artes. In: __________. Umbanda – A Proto-síntese Cósmica. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1989. p. 116-133.
__________. Umbanda – Surgimento – Deturpações – Desaparecimento – Ressurgimento – A palavra Umbanda – Finalidades e objetivos. In: __________. Lições Básicas de Umbanda. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1991. p. 23-29.